O século XXI está sendo marcado por discussões que envolvem temas como ESG, Indústria 4.0, revolução industrial e conexão 5G. Vivemos a era da aproximação digital que faz com que necessitemos de cada vez mais de profissionais capacitados para ocupar vagas que exigem hard e soft skills na área da engenharia.
Estudos estimam mais de 12 milhões de empregos em aberto no mundo em indústrias como a agrotec, biotec, healthtec e automobilística. O que mais chama atenção é que estas vagas ainda não foram preenchidas por falta de profissionais com conhecimentos técnicos.
Recentemente, participei de um bate-papo com o professor Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral (FDC), e com o Gil Gardelli, palestrante da FDC. Nesta conversa falamos sobre muitos temas relevantes que envolvem a revolução industrial, o avanço tecnológico e a empregabilidade no Brasil e no mundo.
Confira o bate-papo completo:
Introdução: Na Fundação Dom Cabral, a gestão é o princípio de uma ideia maior. A educação é uma jornada de desenvolvimento. Por isso, a FDC tem soluções educacionais para executivos e organizações de vários portes e setores, além de estrutura própria e associados regionais em todo o país. A FDC mantém alianças com escolas de negócios no exterior e a chancela das principais certificações internacionais. Nossos programas contam com uma infraestrutura completa, em que a tecnologia aplicada às atividades garante um elevado nível de interatividade e participação. Essa troca de ideias e experiências, networking qualificado e conexões sem fronteiras são essenciais na criação de soluções adequadas à realidade de cada empresa e de projetos que geram valor para todos os envolvidos. E isso faz a gente perceber que para continuar entre as melhores escolas do mundo, é preciso ser uma das melhores escolas de negócios para o mundo.
Fundação Dom Cabral para ser relevante.
Hugo Tadeu: Pessoal, muito boa noite. Meu nome é Hugo, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral. Atuo no nosso núcleo de Inovação e Empreendedorismo. Aqui com a gente hoje os nossos convidados, o professor Gil Giardelli, quer dar um oi aí pra turma?
Gil Gardelli: Professor Hugo Tadeu, meu querido Boechat, é uma honra estar com vocês novamente. Sempre um diálogo pra lá de inteligente que aprendo muito. Obrigado!
Hugo Tadeu: Muito obrigado Gil! Boechat, nosso querido convidado também que, além de ser o nosso aluno do mestrado da Fundação Dom Cabral, é executivo da Accenture. Boechat, quer dar as boas-vindas para todos aí também?
Carlos Eduardo Boechat: Boa noite a todos! Obrigado pelo convite. Satisfação muito grande vim aqui falar de um tema que eu sou apaixonado. Que a indústria 4.0 e a aproximação digital.
Hugo Tadeu: Gente só para relembrar do script de sempre A gente está aqui muito mais para um diálogo, isso aqui não é uma sala de aula. A gente está aqui para dialogar e trazer a perspectiva do mercado. Como eu tenho por hábito sempre falar, estamos como se estivéssemos na sala daqui de casa, tomando um café, dialogando, comendo um pãozinho de queijo, como a gente fala na fundação, trazendo da perspectiva prática do assunto que até hoje foi proposto, que a indústria 4.0.
Boechat, o especialista aqui é você. Mas se você me permitir, eu só queria fazer uma breve introdução, porque se a gente voltasse há 1 ou 2 anos atrás, a Fundação Dom Cabral fez uma pesquisa com uma empresa alemã e essa pesquisa foi amplamente divulgada na mídia especializada, com uma série de insights importantes. E na época a gente começou a discutir sobre o futuro da indústria brasileira, o futuro sobre a indústria 4.0 e alguns dados relevantes, como eu disse, me chamaram a atenção.
O primeiro dado foi sobre entendimento. Muitas empresas, muitos presidentes, muitos diretores. Entenda a indústria 4.0 como se a gente tivesse saindo do analógico para o digital, o que no meu entendimento me dá uma certa percepção, como se a gente tivesse comprando algum aplicativo para transformar a nossa indústria mais digital. Alguns outros executivos também relataram que, para o futuro da indústria ser cada vez mais competitivo e produtivo, a gente tem que trabalhar com dados. No entanto, quando a gente fala desse futuro, conseguimos perceber na pesquisa que grande parte dos problemas nem tanto são relacionados à tecnologia. São problemas de estrutura e gestão e muito mais também relacionados à cultura.
Por que eu estou falando disso? Você é um executivo diretor da Accenture, que está rodando muito pelo Brasil. A gente estava conversando um pouco mais cedo, você está no nordeste brasileiro, agora atendendo um cliente da própria Accenture. O que você tem enxergado? Além desses dados que a gente tem de pesquisa, o que é o calcanhar de aquiles do executivo brasileiro quando a gente fala sobre indústria 4.0?
Carlos Eduardo Boechat: Hoje estou aqui em Fortaleza. Um dos nossos clientes também está trabalhando justamente o tema da jornada de indústria 4.0. É uma grande empresa aqui da região. O que eu comento é o seguinte, por mais que a indústria 4.0 já exista há mais de uma década, que ela começou na Alemanha e tudo mais. Ainda existe uma defasagem muito grande tecnológica e existe uma divergência de conceitos, algumas dificuldades ainda para a inserção e, principalmente, para escalabilidade digital nas manufaturas e operações. Quando a gente pega, por exemplo, uma pesquisa que a Accenture fez com mais de 600 empresas ao redor do mundo. Ali apontam que 39% das organizações ainda estão numa fase de POCs ou projetos pilotos. Ou seja, muitos deles nem sequer iniciaram essa jornada de indústria 4.0 e outros não conseguiram sair daquilo que é um piloto e dar a devida escalabilidade digital para suas fábricas. Então, esse é o cenário que a gente observa atualmente.
Gil Gardelli: A indústria 4.0 já é uma realidade. Nós temos aqui no Brasil vários exemplos disso acontecendo. Nós temos desde de uma fábrica de caminhões e ônibus que está totalmente nesse conceito da indústria 4.0, da automação e da robotização.
Temos aqui nosso acelerador de partículas no interior de São Paulo, que coloca realmente a indústria 4.0 brasileira num outro entendimento. Mas eu também queria conversar um pouquinho sobre esse movimento chinês que está colocando 17 indústrias aeronáutica, a transformação digital avançada e a área de agro no que eles chamam de quinta revolução, que é baseada em blockchain. E aí, só pra exemplificar, eles conseguiram lançar um carro elétrico popular, que o preço final é de o equivalente a 5.000 $. E eles usam o blockchain e estão economizando mensalmente 100.000 folhas de metais de aço para produzir o carro usando blockchain em toda a cadeia de produção. Então é fantástico esse trabalho da indústria 4.0. Mas eu já vejo um país falando da indústria 5.0, da indústria em cadeia de blockchain e nosso querido Boechat vai nos dizer um pouquinho sobre isso.
Carlos Eduardo Boechat: Interessante comentar isso. Outro dia fiz um post no LinkedIn sobre indústria 5.0 no Brasil e o que eu recebi de ligação de contatos dizendo que eu estava ficando doido porque a gente está mal conseguindo trabalhar com indústria 4.0. Claro que tem exemplos como você deixou muito claro, é de uma grande empresa que a gente conhece, de tratores, caminhões que que já evoluíram nesse aspecto.
Você pega outras indústrias também, como alimentícia, mineradoras. Tem indústrias de fato que conseguiram evoluir no tema e nessa agenda de indústria 4.0. Mas aí, poxa, vim falar de indústria 5.0, que audácia é essa aí do Gil, do Boechat, mas na verdade essa discussão está ocorrendo no mundo inteiro. A gente tem participado de algumas dessas agendas, além do blockchain, que você citou muito bem, tem uma pauta muito forte para essa próxima revolução industrial, que é muito pautada no tema de ESG.
O foco em sustentabilidade também vem muito forte nessa próxima revolução industrial. Então, por mais que a gente fala assim, talvez isso não seja ainda uma realidade na organização de algumas pessoas que estão aqui nos assistindo, nos ouvindo. Mas o fato é que a gente muitas vezes não percebe que a gente está vivenciando essa revolução industrial. Só vai notar isso depois, com o passar do tempo. Mas o fato é que, se a indústria 4.0 já iniciou há 11 anos atrás, pode ter certeza que a 5.0 já vem sendo discutida.
Passo a passo para a Indústria 4.0
Hugo Tadeu: Boechat, deixa eu te fazer uma pergunta. Até para aterrissar aqui para vários dos nossos ouvintes, a gente está falando de indústria 4.0, indústria 5.0. O Gil Giardelli já traz uma perspectiva de blockchain na China. Deixa eu só voltar um passo aqui para facilitar a quem está nos escutando, explica pra turma o que é a indústria 4.0? Como é que a gente chegou nessa indústria 4.0? Para chegar na 4, deve ter a 1.0, a 2.0, a 3.0, 4.0. Que diabos é isso e qual é a relevância da gente entender o termo e em que estágio na sua leitura que a indústria brasileira hoje se encontra na 4 a 2. O que a gente tem que fazer para chegar na cinco? Comenta um pouco aí pra gente!
Carlos Eduardo Boechat: A indústria 4.0 iniciou em 2011 na Alemanha, e ela envolve muito a convergência do mundo envolvendo uma série de tecnologias como o Big Data, analytics, entre outras, e ela tem um foco grande nesse aspecto de manufatura, de produtividade, redução de custo, ganho de qualidade e aumento da capacidade produtiva.
Então, muitas vezes o pessoal acha que é só o pilar de tecnologia, mas não é essa. Tem o pilar também de processos, de pessoas, sempre envolvendo essa transformação. Esse é um equívoco muito grande pensar que é somente a tecnologia e não olhar o problema de negócio para esses outros pilares. Toda transformação digital é uma transformação cultural. Então, quando a gente olha para esse movimento, você já começa a ver em outras vertentes mais recentes. Mas como que eu vou utilizar a blockchain? Além do que o Gil comentou, mas pensando na rastreabilidade de toda a cadeia de valor de uma companhia.
Como o que eu olho para essas tecnologias combinadas ao tipo de inteligência artificial aplicada não só para a fábrica, mas aplicada a um veículo conectado a uma geladeira conectada ou um trator, seja o que for. Então, quando se começa a vir com essas variáveis, ainda vem o termo de ESG, você começa a extrapolar aquilo que é a indústria 4.0.
Então, você já começa a dar uma nominação para uma outra revolução industrial independentemente se é 5.0, qual número que vai ser dado. Aqui na Accenture a gente até colocou esse termo que é a indústriax. A gente não sabe que número que vai vir, mas o fato é que já tem ali um próximo passo sendo dado, que visa esse foco da escalabilidade digital das indústrias.
Hugo Tadeu: Ótimo. Boechat, quando a gente fala desse avanço tecnológico do setor industrial, como é que as empresas brasileiras se encontram hoje? Porque eu acho que a gente tem um desafio considerável antes de entrar na ESG, que é o desafio de produtividade.
Eu acho que no setor industrial ele tem uma importância significativa para o nosso crescimento. Como é que a gente poderia impactar ainda mais o setor industrial positivamente e economicamente com esse tema? Como é que a gente está nessa história e qual a contribuição da tecnologia para o nosso avanço? Qual é a sua leitura para isso?
Carlos Eduardo Boechat: Esse é o ponto importante. Existem cenários distintos de acordo com os segmentos que a gente encontra, e o momento deles aqui no Brasil, obviamente, se pega o setor farmacêutico que praticamente tudo o que você produz você vende.
Então, se você tem alguma atividade, algum programa, uma jornada da indústria 4.0, de repente vai aumentar algum indicador da minha fábrica, no final do dia isso significa aumentar a capacidade produtiva, o que vai significar aumento de vendas. Afeta o topeline também, ao passo que existem segmentos que você tem uma ociosidade fabril. Então, até revisitando a estratégia de desconcentração ou até mesmo diversificação de localidades em termos de fabricação.
Quando a gente olha para essa questão de, por exemplo, de produtividade, sempre comento quanto se vai falar assim, Boechat, vamos começar uma jornada de indústria 4.0 então vem cá, vamos agilizar, vamos dar o escalabilidade para isso. O primeiro ponto que eu olho é sempre a estratégia da organização e o tanto que ela está alinhada com alguns pilares voltados à produtividade, à eficiência, redução de custos, qualidade e sustentabilidade. Aí, a partir daí, eu consigo ver quais são as dores e os desafios e qual a combinação de tecnologia que vai resolver aquilo ao longo do tempo, criando ali um business case para que determinados projetos.
Hugo Tadeu: Ótimo. Acho que a gente tem um desafio considerável, que é vincular o setor industrial atual com o estágio também atual, porque a gente sabe que a gente tem indústrias com nível de sofisticação grande. Por outro lado, para quem viaja por esse Brasilzão, a gente tem dificuldades severas, até mesmo para fazer controle de produção com os métodos mais antigos possíveis. É um olhar de crescimento para o mercado, como disse o Gil, observando todo esse avanço que a gente tem tido em países, outros citar na China. Gil, a palavra é sua.
Gil Gardelli: Eu acho importante essa discussão do SG. É claro que é um dos pilares da Fundação Dom Cabral e de qualquer profissional, hoje qualquer empresa. Porém, eu estava estudando bastante sobre a Shein, ela não se posiciona como fast fashion. Ela se posiciona como data driven fast fashion.
A história deles é uma história de fim de golpes entre os três sócios. E aí um sócio fica com tudo aquilo. E é esse artigo de alta qualidade. Ele fala assim ela é barata, ela é muito rápida, mas ela está fora de controle. Só para vocês terem uma ideia, para colocar um pano de fundo. No ano passado, a sua principal concorrente, a Zara, colocou disponível para o público 30.000 produtos das suas lojas e no seu e-commerce. A Shein colocou 1 milhão de peças, 1 bilhão de objetos, peças diferentes e muito disso tem sido falado que eles não respeitam o conceito de ESG de trabalho análogo, porque eles são 10.000 fábricas de todos os portes que estão baseados no algoritmo e que você pode ter uma empresa aqui pequenininha no Bom Retiro, em São Paulo, usando trabalho análogo, por exemplo, de bolivianos e você pode se cadastrar ali.
Então, eu estou levantando esse pano, porque é evidente que o SG é fantástico, que a gente tem que discutir isso. Mas hoje 40% de todo o fast fashion é uma empresa que a gente ouvia pouco falar nos últimos anos. E ela não respeita praticamente nada do conceito de ESG e do conceito do que é assinado na Organização Mundial de Comércio. Então fica aí uma pimentinha, Boechat. Como lidar com uma concorrente que todos os dias aqui nos aeroportos do Brasil, chega um cargueiro lotado de peças que até alguns empresários da indústria já reclamaram sobre isso e usam um tipo de produção que pode ter em Madagascar, pode estar no interior do Brasil e que no respeito o básico do ESG?
Carlos Eduardo Boechat: Ação complicada, Gil! A verdade passa por uma questão de maturidade, de regulamentação. A gente obviamente que vê tudo quanto é tipo de cenário.
Agora, por outro lado, estou fazendo um trabalho também de transformação digital da manufatura, Indústria 4.0 de uma grande empresa de moda que tem quatro fábricas no Brasil, a multinacional brasileira. Que na verdade, a preocupação é contrária. A preocupação é: todo e qualquer projeto tem que ter um link tanto com qualidade quanto com sustentabilidade. Tenho uma preocupação muito grande com relação a pessoas e toda vez que a gente fala em automação, robotização, o cliente olha para o aproveitamento das pessoas em outras determinadas funções. Então, eu acredito, sinceramente, que no médio longo prazo o que vai permanecer são organizações que têm esse tipo de estratégia e mindset. É uma crença, talvez no curto prazo. A gente vê aí outras empresas que não têm tanta preocupação com esses tópicos ainda tendo resultado, mas eu não acredito que isso terá sucesso no médio e longo prazo.
Hugo Tadeu: Tudo bem que a gente está falando de tecnologia, indústria 4.0, como é que o setor pode crescer, se vai ser mais produtivo, menos produtivo, o Gil trouxe a questão da ESG, mas o Boechat trouxe na verdade, foram duas palavras: mindset e mão de obra. Como é que a gente está na sua leitura de novo para quem anda pelo Brasil todo e tem conexão com várias empresas. Como é que está a mão de obra brasileira quando a gente fala sobre esse futuro do setor industrial, sobre esse futuro por tecnologias e como é que está o mindset da alta liderança das empresas de grande porte/médio porte. O que você tem visto? Qual a sua leitura para esses dois pilares? Formação de mão de obra, qualificação de mão de obra e mindset da alta liderança para lidar com esses assuntos. O que você pode compartilhar com a turma?
Carlos Eduardo Boechat: Sempre que faz alguma pesquisa. Já fiz até no meu próprio LinkedIn, que é quando a gente observa quais são as principais barreiras para a aceleração da agenda de indústria 4.0 nas organizações e sempre está lá ou, em primeiro lugar ou logo no topo, a questão do mindset da liderança, por mais que o brasileiro seja inovador por natureza. Existe, sim, ainda um receio muito grande.
Existe uma questão cultural em algumas ações, essa questão de permissão ao erro de você testar, falhar rapidamente e pivotar. Então, essa questão de a gente assumir o papel de protagonista nessa agenda de transformação digital. Outro dia, eu dei uma palestra num evento também de inovação e estava chamando atenção justamente para isso, que era como que a gente deixa de ser coadjuvante e passa a ser protagonista dessa agenda. Não dá para terceirizar essa situação. A gente tem que, de fato, impulsionar essa agenda de indústria 4.0 nas organizações, por uma questão de competitividade, de sobrevivência da indústria.
Então, pegando esse pilar de mindset, para mim hoje é um dos grandes fatores de bloqueios para a escalabilidade. Quando a gente olha para o aspecto de capacitação, pensando na mão de obra em si, a gente tem um grande desafio. E aí a gente, na verdade, tem que trabalhar em várias mãos. Quando você olha para as próprias instituições de ensino, você tem cursos novos sendo abertos em vários níveis. Quando você vai recrutar hoje tem uma briga gigantesca em termos de mão de obra. Quando se fala dessa camada de TI industrial, você tem uma dificuldade de recrutamento. Muitas vezes as próprias organizações, como a Accenture, tem que montar um treinamento, pegar o pessoal que está ali estudando recém formado e fazer um curso de capacitação seja em alguma linguagem de programação, seja em NET, Java, seja o que for, porque você não vai encontrar facilmente no mercado pessoas disponíveis e capacitadas. Então, aqui eu vejo que tem um grande ponto, que tem que ter uma força tarefa, envolver o governo, envolvendo instituições, envolvendo as organizações.
Hugo Tadeu: Que profissional é esse? Quando a gente fala sobre o futuro pela transformação digital, o futuro pela indústria 4.0. Que tipo de profissional que a gente deveria estar formando ou que a gente deveria estar contratando para avançar com essas tecnologias? No fundo, eu tenho preocupação, do sensor que a gente vai colocar na indústria sobre esse tipo de questionamento, quando o que a gente está ficando para trás, para frente, quando a gente olha para Estados Unidos, Canadá e China. Ou seja, que profissional é esse que a gente tem que colocar dentro das empresas?
Carlos Eduardo Boechat: Vou falar aqui o que eu tenho visto e o que eu faço. Primeira coisa que eu faço, e não é balela. Eu realmente valorizo a questão de soft skills. Então, realmente você tem uma análise sobre o indivíduo em si que eu acho que é importante e claro, às vezes tem indicação, tem alguns testes que são feitos nem sempre você vai conseguir cercar tudo quanto é coisa, mas você consegue mitigar ao máximo. Então você tem uma questão que é soft skills.
Quando a gente fala para a capacitação técnica em si e aí eu tenho vários mentorados e pessoas que vêm conversar comigo com relação a isso e o que eu recomendo é que se a pessoa é engenheiro(a) de automação, elétrica, eletrônica, seja o que for, trabalhou muito ali, com o chão de fábrica, muito com manutenção ou programação de PLC, seja o que for, eu incentivo para o lado de como é que você olha para a inteligência artificial, para analytics, esse mundo de metaverso também aplicado para o ambiente industrial.
E se a pessoa tem o background de T.I, às vezes ela trabalhou muito com SAP e com outras coisas, eu incentivo já para olhar para uma camada de IoT. Então, eu sempre tento incentivar, porque é muito difícil encontrar no mercado profissionais que jogam nessas duas áreas, tanto essa parte da T.I industrial quanto a parte da TA, essa parte da tecnologia de automação. Eu vejo que aí quem consegue de alguma maneira trabalhar nesses dois lados passa a ter uma diferenciação dentro da organização e até mesmo o mercado.
Agora, quando a gente olha para o futuro em termos de empregabilidade, sem dúvida alguma, a gente tem que olhar para temas como o cloud, onde você observa agora o começo da utilização de cloud para o ambiente de manufatura. Falávamos muito em cloud para banco. Agora você está vendo isso para as fábricas, usinas, minas. Agora tem a questão do 5G, que vem com expectativa muito grande de ajudar nessa escalabilidade.
Eu tive a oportunidade de participar e liderar no ano passado, o primeiro piloto de 5G no Brasil, antes de atingir o público que foi divulgado. Assim como você tem diversas outras tecnologias que eu acho que vale a pena sempre olhar aquela que de repente, a pessoa tem maior afinidade.
Gil Gardelli: Eu acho que também tem um ponto para acrescentar. Concordo com soft skills, acho que ele é um caminho, mas acho que a gente tem que olhar de uma forma que hoje nós temos duas demandas que não estão sendo atendidas. Primeiro, são dos técnicos, deixa eu só exemplificar, hoje um técnico de determinada área da Petrobrás ainda é só um técnico e ele pode fazer uma engenharia, tem um salário inicial de R$15.000, um determinado cargo técnico e, por outro lado, eu acho que tenho certeza disso, que os países que estão crescendo na indústria 4.0 e na 5.0, são aquelas que têm um maior número de doutores, como o nosso professor Hugo Tadeu. Então, é só a faculdade? Não estou dizendo que não é pra entrar na faculdade, mas não dá para acabar na faculdade, apenas vai ter que fazer um mestrado ou doutorado, porque os desafios são tão complexos dessas mudanças que nós temos que começar a discutir sobre os técnicos ali, que pode ser uma entrada para uma área de engenharia, de biotecnologia, mas também os doutores. E aí até joga essa pimentinha para o professor Hugo, ele é uma exceção, e sempre há exceções para provar a regra, ele trabalha com a iniciativa privada, sempre está jantando com a presidente do Banco Mundial. Não é mentira, não é verdade. Você conseguiu fazer essa conexão de doutorado acadêmico com a indústria, com a iniciativa privada. Você não acha também que isso é um desafio para o Brasil?
Hugo Tadeu: Eu não tenho dúvida que é desafio, Gil. Aliás, se eu até pudesse colocar uma pimentinha naquilo que o Boechat acabou de falar, eu não tenho dúvida que a gente tem uma questão de soft skills e hard skills. Mas quando a gente olha para o dado, tudo bem que o Boechat hoje é a nossa estrela, mas só pra trazer de novo uma pimentinha, o dado internacional é tão evidente.
O Brasil tem déficit de formação. A gente precisa formar engenheiros, com todo respeito às outras profissões. Quando a gente olha para a China, quando a gente olha para o Canadá, porque pouca gente fala do Canadá, um dos principais centros de formação de mão de obra nessa parte de tecnologia, tanto para a parte de serviços quanto para indústria é Toronto, Vancouver agora está no mesmo caminho. Então a gente deveria formar mais pessoas nessa área técnica. E me permita discordar também de alguns colegas que falam por aí afora, que não precisa de faculdade pelo amor de Deus!
Tem que ter conhecimento técnico, com alto nível de profundidade, porque ninguém aprende a programar de um dia para o outro e para desenvolver essas soluções técnicas. E no caso específico, Gil, da sua pergunta sobre como fazer mestrado, doutorado e ir para mercado, eu acho que isso se a gente tivesse mais incentivos, inclusive para os nossos estudantes de mestrado e doutorado, para eles não somente pensarem em publicações de artigos, papers internacionais e simplesmente para que essa turma não ficar só esperando bolsa de universidade federal, mas sim que eles gerassem professores ou que virassem especialistas ou fizessem parte das áreas de P&D dessas grandes organizações.
Eu não tenho dúvida que o Brasil teria um salto significativo nessa agenda. Aliás, Boechat, só pegar um pouco da sua agenda, bem como do Gil. O outro dado até um quanto evidente. Se a gente olhasse para a produtividade macro brasileira, que tem a ver com investimento em mão de obra e o quanto que a gente teria desse crescimento está mais do que claro lá. A gente não está crescendo, não só pela questão de tecnologia, mão de obra. E aí tem a ver até com uma das perguntas que uma participante escreveu aqui, pra ser justo com a colega de vocês, se não me engano foi a Júlia, se a gente não teria nenhuma preocupação com o desemprego, né? Eu me atrevo a responder e passo a falar para vocês. Eu acho que, na verdade, a tecnologia está aí para gerar mais emprego. A gente só olha para o lado de quem está perdendo a oportunidade, mas para quem ainda tem que passar por um processo de formação.
Eu não lembro agora de cabeça, mas a gente tem um déficit de mais de 500.000 empregados nessa questão de tecnologia. Acho que a gente tem muito mais oportunidade do que um senso de desespero nessa agenda do que usualmente as pessoas imaginam por aí a fora. Vocês dois concordam seguindo o script de um café, de um diálogo? Boechat, você concorda com esse meu falatório todo?
Carlos Eduardo Boechat: Concordo sim, sem dúvida alguma. Você tem bastante oportunidade. É claro que existe um desemprego no Brasil. Ele tem uma taxa considerada elevada, mas quando a gente faz o recorte para essa área específica, você tem muita oportunidade de fato.
Gil Gardelli: Hoje, se você pegar nas áreas que nós chamamos das 10 economias, nas 10 indústrias que estão gerando empregos no mundo, que até o dia que é minha colinha: agrotec, biotec, healthtec, a indústria automobilística de carros elétricos e carros autônomos no Brasil hoje geração de energia limpa, transformação digital avançada, nós teríamos hoje estima-se entre 10.000.000 e 15.000.000 de empregos.
Se a gente colocar o metaverso para construir digitais, teríamos mais 200.000 empregos. Então, tecnicamente, os 12 milhões de desempregados que nós temos hoje, estariam empregados. Mas por que não é tão fácil essa equação? Porque, na verdade, parte daquele público, infelizmente de 12 milhões de desempregados, uma parte bem considerável vai ter um desemprego crônico, porque não foi dado oportunidades para que ele ingressasse nesse local que precisa. Como vocês disseram, professor Hugo e o professor Boechat, tem que ter pensamento analítico. Tem que ser um tipo de cientista de dados, mesmo que você seja um geólogo hoje. Tem que ter esse pensamento de uma lógica não simples, mais avançada. Então a tecnologia está gerando mais empregos.
Eu falo isso sempre nas aulas de outros cursos do professor Hugo que de cada um emprego que se fecha, são três novos que se abrem, mas com outro tipo de pensamento e um pensamento muito mais estruturado e profundo. Então, eu acho que tem essa preocupação e aí o desafio nosso é como ajudar essas pessoas que não estão percebendo essa mudança e não estão conseguindo, até se preparar para isso, não, porque não querem. É que não perceberam, não entenderam.
Aqui no interior de Minas Gerais, na terra de Hugo e de minha mãe, você tem uma das grandes fábricas totalmente automatizada de uma gigante de cuidados pessoais. E ali ela tem pouquíssimo emprego de torneiro mecânico, não tem torneiro mecânico mais, mas precisa de muito engenheiro de robótica e engenheiro de manufatura avançada.
Aí só pra eu passar para vocês e pegar esse ponto. Existe um stand up comedy de um artista que é de Espírito Santo ou de Minas. Eu gosto muito das piadas dele e ele é um engenheiro de formação. E ele fala assim: engenharia aqui no Brasil ou você vira artista de stand up comedy ou motorista de Uber. Nada contra essas profissões, mas nunca se falou tanto que precisa de engenheiros. Por que será que os engenheiros não conseguem empregos? E aí eu estava discutindo com um grupo de engenheiros que eu respeito muito desse grupo.A formação na academia, especialmente na privada e não em todas, que é tanto passar de ano a qualquer custo, tirar o diploma e não se prepara para essa nova era os engenheiros atuais.
Hugo Tadeu: Só para a gente não polemizar com esse assunto, normalmente igual ao jogo de futebol, sabe? Tem aqueles que torcem pro time que torce pro time B igual religião, mas de novo acho que eu prefiro o dado contra dados não tem fatos e argumentos.
Se a gente olhasse para tudo quanto é publicação relevante no mundo, estou vendo aqui os comentários dos participantes sobre a questão das soft skills, das hard skills. Tem que ter um combinado. Não resta dúvida que tem que ter combinado entre um canto. Mas o Brasil está ficando para trás porque a gente não está formando mão de obra com alto nível de especialização técnica.
Está falando gente que entenda de programação, que entenda de dado, que entenda de sistemas de programação, que entenda um pouquinho de robótica, que entenda um pouquinho de engenharia para dar conta desse mundo que está avançando. A gente ainda continua com as velhas e boas desculpas dos porquês que o Brasil não consegue. O eterno país do futuro que está preso no passado. Aliás, essa é uma questão que é interessante. Boechat, quando a gente fala desse alto nível de especialização técnica, isso me faz lembrar um debate que eu participei esses dias, no qual a gente começou a falar de transformação digital, de tecnologias da transformação digital, obviamente que o assunto da indústria veio no meio do caminho. E um dos executivos que lá estava no nosso debate falou o seguinte: olha, acabei de chegar de uma viagem e muito se fala na China sobre transformação digital, setor industrial e temas como 5G e blockchain. Boechat, o que uma coisa tem a ver com a outra?
Faz uma narrativa para quem está aqui nos escutando para a gente poder entender o que essa sopinha de letra uma coisa tem a ver com a outra.
Carlos Eduardo Boechat: Tem tudo a ver, está tudo interligado. Na verdade, quando a gente olha para o tema de 5G, o 5G sozinho não leva a lugar nenhum. Mas o 5G, combinado com outras tecnologias, ele sim pode nos ajudar nessa escalabilidade digital das indústrias, tanto para o aspecto da manufatura e da operação em si, quanto quando você pensar, por exemplo, que se comentou agora pouco sobre o agronegócio e até mesmo o veículo conectado.
Sem dúvida alguma, o 5G impacta muito, não só no aspecto da conectividade em si, mas como a gente fala em latência, quando fala em disponibilidade, entre outros pontos. Quando a gente comenta sobre blockchain, você tem também uma série de aplicações que é possível se trabalhar. Um dia, a gente teve aqui uma oportunidade, junto com uma grande empresa multinacional, que o pedido do presidente é que ele queria a rastreabilidade fim a fim desde o momento que saia do fornecedor, até passando pela manufatura e pela operação, até a entrega no cliente.
Como você conseguia ter essa rastreabilidade toda do produto, desde matéria-prima até o produto acabado? E aí, obviamente, que o blockchain era uma das tecnologias ali para ajudar a trabalhar nesse sentido.
Eu sempre olho para os pilares, o pilar de tecnologia, o pilar de processos, de pessoas, os modelos de negócios, como partir dos desafios das dores e, a partir daí, verificar a combinação de tecnologias, seja blockchain, seja 5G ou IoT. Como que isso vai resolver aquele problema e como que eu crio uma jornada para poder acelerar essa agenda nas organizações?
Lá no meu LinkedIn existe um artigo que é justamente o passo a passo para a indústria 4.0. Clique aqui para ler o artigo.
Hugo Tadeu: Professor Gil, antes de entrar no passo a passo do Boechat do merchan dele, o que você fala? Qual é a relação entre indústria 4.0, blockchain e 5G? E qual é a sua leitura de contexto mundo, Brasil, o que você comenta, hein?
Gil Gardelli: Vamos pegar um exemplo do blockchain sendo utilizado, uma gigante global de indústria alimentícia, de chá mate, estava sendo acusada de que estavam utilizando um trabalho análogo na ponta. Então, o que foi feito já é um dos cases mais antigos de indústria 4.0 e blockchain? É colocado blockchain desde o momento que se colhe o chá mate até o momento que se chega na prateleira. Com isso, você tem toda a cadeia totalmente definida.
Se você pegar um outro ponto, você tem uma indústria gigantesca hoje, do jacarandá, hoje tem mais tráfico de jacarandá do que, por exemplo, de marfim. Ele é o terceiro ponto com mais tráfico no mundo. Ele é algo que dá aqui nas nossas florestas da América Latina, de alguns países tropicais, e ele é quase que o ouro rosado para a indústria moveleira chinesa.
Com as acusações que eles estavam tendo, eles começaram a colocar o conceito de manejo sustentável e colocar o blockchain desde o momento em que se pegou aquele jacarandá, quanto recebeu a pessoa que fez aquele trabalho ali local e qual foi o impacto nisso. Então você já está vivendo tudo isso aí. E aí, a web três e o 5G. Na verdade, a web três é essa alta velocidade que não vai impactar o cidadão comum com o celular, porque não vai ter tanta diferença, mas impacta a indústria 4 e 5.0.
No 4G, qualquer movimento que você manda para o robô que está aqui atrás, ele demora 2 segundos para entender e começar a tomar atitude. Em 2 segundos, o carro autônomo fica impossibilitado de trafegar porque em 2 segundos vai bater o carro. Agora, no 5G são 2 milésimos de segundos e no 6G, que já está sendo testado pela China e vai começar a ser colocado comercialmente daqui a dois anos, não tenho nem roupa para explicar o algoritmo de rapidez que ele vai ter.
Então, mudou completamente o conceito do que foi falado para o Boechat do IoT, da robotização, do carro autônomo, da cidade inteligente e da fazenda vertical. Muda completamente tudo!
Carlos Eduardo Boechat: Só para complementar um pouco também aqui na linha do Gil, que trouxe dois exemplos interessantes, esse da Unilever, inclusive a Unilever sempre trabalha muito com tecnologias inovadoras. É o caso, por exemplo, da torre de secagem em uma das fábricas no Brasil.
Um projeto bem interessante que eles fizeram.
Quando a gente olha nessa integração da cadeia, tem um tema muito relevante sendo discutido, que é o tema da hiper personalização. É você pensar desde o e-commerce em que você tem um produto personalizado e ao mesmo tempo fazendo link até ter ali toda a automação, robotização e você ter ali já o produto destinado para aquilo, com toda a rastreabilidade.
Esse é um tema, por exemplo, que a Nestlé fez isso conosco, pegando a parte da Dolce Gusto e é um tema que está praticamente na agenda de várias organizações. Como é que você pensa uma estratégia de e-commerce, já tem esse link com toda automação e robótica já pensando em micro fábricas, fábricas em contêineres. Você fala: poxa, então significa que eu vou ter uma flexibilidade fabril maior, porque essa é uma discussão que está na agenda de praticamente todo CEO, COO, VP de manufatura.
E aí, quando você trouxe outro tema, também, Gil, dessa questão develocidade, da questão da latência, envolvendo também 5g.
Se for ver o caso da Stellantis em uma fábrica de Goiana, em Pernambuco, que a gente acabou tendo a oportunidade de trabalhar, é um caso justamente envolvendo isso. A qualidade do produto, a qualidade dos chassis dos veículos, onde a combinação de tecnologia como 5G, IoT, Inteligência Artificial e Cloud conseguiram endereçar aquele caso de uso.
Hugo Tadeu: Boechat, quando você fala de casos de uso, explora um pouquinho mais isso. Quais são os casos que hoje, aqui no Brasil, que a gente deveria observar de empresas ou de setores que têm realmente feito indústria 4.0? Eu acho que tem muita empresa falando que faz 4.0 quando na verdade essa turma tá trabalhando com automação industrial ainda. Quem que está fazendo e que você pode contar é pra gente de referência, para a gente assim, observar com um olhar mais clínico.
Carlos Eduardo Boechat: Até alguns casos são mais públicos e dá para se falar. Mas realmente existe essa situação de projeto tradicional de automação industrial e pessoal chamando de indústria 4.0. Isso para quem é engenheiro como eu que trabalho com automação há 17 anos tem hora que dói. Mas quando a gente observa, por exemplo, o caso da Mercedes-Benz, ela tem bastante aplicação, bastante casos de uso da indústria 4.0.
Quando a gente observa, por exemplo, outros casos como da CNH utilizando essas tecnologias, como IoT, analytics aplicado nos tratores, então já é uma aplicação que extrapola a questão de indústria 4.0. A Nestlé tem muita maturidade nesse aspecto também, envolvendo a indústria 4.0. E olha, por exemplo, a própria Gerdau, Arcelor, vou pegar a empresa que eu estou aqui agora aqui na M Dias Branco, em Fortaleza. Ela tem uma jornada de indústria 4.0 que foi construída e tem trabalhado alguns projetos nesse sentido.
Você pega a Alpargatas também com um projeto interessante. Eu estou dando o exemplo de multinacionais brasileiras que optaram por iniciar essa jornada de indústria 4.0 e estão conseguindo ter sucesso com isso, porque é muito fácil a gente chegar a dar exemplo que a gente falou que mais cedo de Unilever, Nestlé, que muitas vezes tem uma diretriz matricial. Então, globalmente você tem um programa e, aqui no Brasil, obviamente, você vai trabalhar.
Claro que nesse aspecto da própria Nestlé, Unilever tem projetos e programas que começam do Brasil e vão para o restante do mundo. Mas eu quis trazer aqui dois exemplos de empresas multinacionais brasileiras e que estão avançando nessa agenda de indústria 4.0.
Hugo Tadeu: Gil, agora vou puxar um pouco sua sardinha. O que é que você está vendo no mundo? O Boechat trouxe a perspectiva de setores no Brasil, de novo eu acho que muita gente está falando de indústria 4.0 quando eu entendo que tem muita gente utilizando a automação industrial ainda. Mas quando a gente olha para o mundo, que setores, países e empresas que você tem visto por sua experiência, para quem viaja bastante, para gente poder ter no nosso caderninho para observar.
Gil Gardelli: Eu acho que o principal case hoje é o que está acontecendo em Dubai. Recentemente eu fui a trabalho para lá e fiquei muito impressionado. O Emirados Árabes Unidos começou em 1972, então completa 50 anos agora. E eu tive a honra de participar, de entrar no Museu do Futuro, que foi construído lá para comemorar o cinquentenário. Fui na Ilha da Felicidade, onde estão dois grandes museus globais e duas grandes universidades globais também. Mas o que me impressionou é o novo porto deles. É um projeto para comemorar esse cinquentenário. Eles são feitos em ilhas totalmente artificiais. Ele é um porto que cria a eficiência produtiva financeira e a eficiência da inovação junto. E apesar de nessa ilha que é totalmente artificial, quase nenhum ser humano trabalha lá porque são todos braços de robô.
Você tem um lugar que está gerando sete vezes mais emprego do que o porto deles, que tem mais de 200 anos. Então isso aqui falo porque no começo dessa conversa, a indústria 4.0, automação, robotização está gerando mais empregos. E aí um lugar para se olhar, na minha opinião, é Dubai. E o segundo já disse aqui o projeto 2025 da China, que é a transformação digital avançada e a indústria 5.0.
Hugo Tadeu: Muito bom! Gente, conversa boa, passa rápido, porque já tem 47 minutos que a gente está aqui papeando. A conversa flui, deixa eu ser um pouco justo aqui também, com quem nos escuta, porque tem uma série de perguntas. Vou pedir para vocês dois tentarem ser um pouco mais pinga fogo agora para daqui a pouco a gente poder fechar o nosso bate papo.
A primeira pergunta que eu registrei foi do André, do qual o André faz uma pergunta de quais seriam os ganhos que vocês observariam quando a gente fala da indústria 4.0? Se eu avançasse, tem uma pergunta do Adilson. Ele faz a seguinte pergunta: como o Big Data poderia influenciar a indústria 4.0? Essa repasso pra vocês. Como é que esse movimento do dado, do tratamento dado, do Big Data poderia influenciar esse movimento da indústria 4.0?
Gil Gardelli: Olha, o primeiro ponto é a gente falar um pouquinho sobre os lagos de dados que ficam na nuvem como propriedade das empresas e elas sendo totalmente preditivas com algoritmos que não precisam mais do contato humano.
Então, na verdade, todo esse conceito dessa indústria, da manufatura avançada, da agricultura celular, de todas essas novas palavras que vêm após a indústria 4.0, estão baseados nessa área de dados. Por isso que países que estão dando esse salto são países que têm uma grande propensão a formar mais engenheiros. Então, esse conceito de propensão da engenharia é baseado em que, não importa qual o seu trabalho final, você vai ter que realmente ter esse pensamento de toda a equipe de manufatura avançada, de manufatura molecular, vai ter que ter também esse cientista de dados.
Só para exemplificar um case de estudo novamente. O que a Hyundai está fazendo nos países árabes que você manda o seu teste dos 23 pares de cromossomos, e ele personaliza o seu carro por dentro e por fora. Porque você gostar de azul, de verde, de amarelo está dentro do seu biocolor, dos seus pares de cromossomos. Isso é o que ele está chamando de manufatura avançada. Então, é um passo à frente da indústria 4.0. Isso entra biotecnologia e ciência de dados avançado.
Carlos Eduardo Boechat: Sobre Big Data, se a gente for analisar a maioria das indústrias brasileiras estão no cenário de baixa maturidade, no aspecto de ter a confiabilidade das informações para tomadas de decisão em tempo real. Ainda tem as máquinas lá como ilhas, muita planilha de excel espalhadas pela fábrica. Só que algumas empresas conseguiram evoluir nessa parte da coleta de dados. Já conseguiram, de certo modo, colocá-las em seus devidos lugares e começaram a coletar mais dados e aí entra uma outra fase que vai ao encontro do mundo que o Adilson perguntou que é a fase justamente do tratamento desses dados.
A inteligência dos dados, a tratativa desses dados. E aí, claro, quando a gente olha para a big data, é extremamente importante ter essa base até porque, quando a gente olha para os business cases que podem ser montados dos projetos, eles muitas vezes estão relacionados à preditividade de manutenção e qualidade. E isso só é possível se eu consigo ter essa inteligência de dados. Sem dúvida nenhuma, é uma tecnologia que contribui muito para a indústria 4.0 e para as organizações.
Hugo Tadeu: Algumas perguntas que os participantes colocaram aqui, mas eu tenho convicção que a gente respondeu só para fazer um overview, o Ricardo faz uma pergunta: como que a gente poderia acelerar as skills na indústria 4.0? Só pra relembrar que a gente discutiu sobre a questão de mão de obra técnica, hard e soft skills. A Cristiane traz uma questão sobre formação de mão de obra, cultura organizacional e sobre capacidade de absorção. Também parte do assunto que a gente discutiu aqui no meio do nosso bate papo.
Só fazendo um overview aqui das perguntas que foram colocadas pra gente poder ser justo. O André trouxe uma pergunta sobre ganhos possíveis, o Adilson que foi a pergunta agora sobre Big Data. O Sérgio trouxe uma pergunta sobre como é que a indústria 4.0 poderia impulsionar o Direct Consumer. Depois, o Ricardo trouxe uma pergunta sobre mudanças de perfil e competências, também um dos assuntos que a gente tratou aqui. Se há uma mudança de perfil e competências na indústria. O meu querido amigo Wagner trouxe uma questão sobre sustentabilidade e o quanto isso tem conexão com a indústria 4.0. Um dos primeiros assuntos que o Boechat trouxe quando a gente falou sobre ESG.
Só que tem uma pergunta que foi feita aqui que a gente não respondeu entre todas. Que foi a pergunta do Éverson quando ele perguntou para vocês dois, tanto o Gil quanto, quanto o Boechat. Como é que a gente poderia equilibrar a questão da balança entre o desafio da regionalização e essa capilaridade que o Brasil tem? Falando de indústria 4.0, desafios de logística e barreiras tributárias. Como é que a gente poderia avançar com tanto assunto tecnológico, sendo que a gente ainda tem problemas do século passado?
Carlos Eduardo Boechat: Sempre que a gente vai fazer uma análise da organização da empresa como um todo, obviamente estamos falando aqui muito de indústria 4.0, mas quando a gente olha para a supplychain, a gente olha para esse desafio que tem de logística, otimização, malha logística, onde a gente olha para essa parte tributária também. Essa análise de centralização versus descentralização, flexibilidade fabril. Acho que a recomendação que eu poderia dar é de novo olhar para a estratégia da organização e entender quais são as prioridades, montar ali um plano diretor, ter um roadmap muito bem estabelecido e, a partir daí, tendo o time direcionado para o desafio, começar a atacar. Acho que iria muito por aí. Tomar cuidado com o encantamento da tecnologia em si para não fugir daquilo que é o desafio prático da organização.
Hugo Tadeu: Professor Gil Giardelli. como que a gente equilibra essa questão do avanço da indústria 4.0, com logística e carga tributária?
Gil Gardelli: A resposta não teremos, mas temos aí uma porta de oportunidade. Em março de 2021, quando aquela mega embarcação encalhou no Canal de Suez, você trouxe um prejuízo para o comércio mundial de um trilhão de dólares. O Canal de Suez é o principal escoamento para você não precisar passar pelo Canal da Boa Esperança, e você ganha ali quase um mês de viagem. Só que ficou ali parado essa super embarcação e ele interrompeu quase toda a cadeia. Mas, além disso, com o advento da parada respiratória do Covid mundial, começou a ser repensado sobre a cadeia mundial de produção. Isso criou um processo que até um amigo nosso em comum, o professor Marcos já falava lá atrás sobre a desglobalização.
Então, essa desglobalização vai ser um efeito positivo para o Brasil de uma reindustrialização do nosso país. Porém, os desafios de alta capacitação dos nossos colaboradores humanos perderem o medo do desemprego tecnológico com os da indústria 4.0, e um projeto de nação de uma sociedade inovadora e da indústria 5.0 para século XXI do Brasil. Coisas fáceis de resolver aqui é só sentar lá em Brasília, resolve.
Hugo Tadeu: Gente, pra gente poder fechar, duas perguntas aqui. Uma pergunta para cada um de vocês dois. Boechat, se você tivesse que sugerir um passo a passo para os executivos, para os empresários, para os empreendedores, para avançar com a indústria 4.0, que passo a passo seria esse?
Carlos Eduardo Boechat: Eu acho que o primeiro ponto é ter claramente ali um alinhamento com pelo menos alguém da alta gestão. Se a pessoa já é um CIO ou COO, ok. Mas se ela está ainda numa outra posição, é ter pelo menos o engajamento de alguma alta liderança nessa agenda. Acho que esse seria o primeiro passo.
Depois disso, o que eu comento é o seguinte: na minha visão, você tem que ter claramente um plano bem estabelecido, quem não tem um plano não tem nada. Como você constrói ali um masterplan, um roadmap voltado para a indústria 4.0, voltado para a transformação digital da indústria, da manufatura, da operação em si. E aí, claro, depois que você tem isso aí, você vai analisar qual o nível de maturidade de cada uma das fábricas, das plantas, das minas. E depois você começa a entrar numa agenda de olhar para os números. Então, essa questão do data driven é muito importante para analisar de fato onde que tem as principais oportunidades quando você olha não só pensando na tecnologia, mas até a parte de processos, como você vai revisitar os processos de em si combinado com essas tecnologias para endereçar esses problemas de negócio. E, aí sim, construir esse plano para os próximos três, cinco anos, pensando ali em algumas fases, tendo ali os business cases bem estabelecidos, que vão ao encontro da estratégia da organização, dos pilares dela, seja qualidade, seja segurança, sustentabilidade, seja o que for. E a partir daí você ter todo time engajado e capacitado.
Sempre que você vai trabalhar numa jornada igual a essa, faz muita diferença você ter plugado essa parte de transformação cultural para que tenha o pessoal engajado, capacitado, todo mundo remando na mesma direção e aí sim você começar a mensurar os resultados que tem dos projetos já logo nessa primeira onda de implementação e aí sim, como parte do benefício gerado, ou seja, vai para uma segunda experimentação e por aí segue. Então, acho que esse seria o passo a passo que eu recomendaria.
Hugo Tadeu: Muito bom! Gil, a pergunta aqui para vocês será a última pergunta que foi a pergunta do Gustavo. A gente está falando sobre indústria e futuro. Imaginamos que isso demanda uma série de investimentos pesados até, tanto em mão de obra quanto em tecnologia. Como é que a indústria 4.0 se aplica para uma empresa de pequeno e médio porte?
Gil Gardelli: É claro que existe um alto investimento na robotização, na automação. Mas tem um investimento que é o maior e o mais importante na minha visão. Em tempos não convencionais, é assim que nós designamos esses tempos da Federação de Estudos de Futuro em Paris. Liderança, estratégias e estratégia, liderança. Então, que você sendo um pequeno, micro amanhã já lidere uma conversa na sua empresa, que ela seja uma pequena indústria sobre o planejamento e como ela será nos próximos anos. Eu não estou falando sobre planejamento estratégico, mas pensamento de estudos do futuro. Vou pegar só um dado para vocês, uma média empresa que produz um doce conseguiu criar uma automação. Inicialmente, ela teve que fazer um investimento, mas hoje ela está virando um Ebitda muito maior, triplicou o seu demonstrativo financeiro e gerou novos empregos. Mas antes de comprar máquinas, comprar conceitos de indústria 4.0, ela sentou durante muito tempo com pensamentos doloridos sobre qual seria o futuro dela nessa nova conjuntura da indústria 4.0.
Então, estudar e ser estratégico! Então a dica é, leia o LinkedIn do Boechat. Leia o professor Hugo, que é midiático na exame, na rádio e na televisão.
Hugo Tadeu: E não esqueçam de ler o livro do Professor Gil! Gil, para a gente poder fechar para ser justo. Fala aí pra turma do seu novo livro, que eu acho que é importante.
Gil Gardelli: Pensando o impensável. Ele foi criado durante a pandemia e eu trago ali o conceito do que está acontecendo no mundo nesses últimos dois anos. É o que deveria estar acontecendo daqui a cinco anos, de acordo com a sociedade 5.0. Obrigado Hugo, obrigado Boechat. É uma honra estar com vocês.
Hugo Tadeu: Gente, queria agradecer tanto a Gil quanto ao Boechat. A gente fica super disponível para quem quiser algum tipo de proximidade ou algum tipo de diálogo com nosso time da Fundação Dom Cabral. A gente fica de portas abertas, até porque, sendo uma instituição mineira, a gente adora tomar um café, a gente adora comer pão de queijo e dialogar, porque no diálogo a gente aprende com todos vocês. Obrigado a todos!